É LÍCITO O SUICÍDIO
No âmbito da moralidade e da religiosidade, muitos condenam os suicidas (e também aqueles que tentam o suicídio), com a ideia de que eles cometem grave pecado, não herdam o reino dos céus ou vão para o inferno!
Prevalece no aspecto religioso a premissa de que o suicídio atenta contra os direitos de Deus, porque é Ele o único Senhor da vida e da morte. Por outro lado, há ateístas (que não creem na existência de Deus) que entendem o suicídio como expressão máxima da liberdade!
Para o espiritismo, de modo geral, aquele que atenta contra a própria vida sai de um estado de sofrimento para entrar noutro pior, de tortura, pesadelo, solidão e trevas...
Há pesquisas indicando que pessoas com maior religiosidade têm menor tendência à prática suicida do que aqueles sem afiliação religiosa.
Para o Direito Natural, que serviu de importante parâmetro à criação/formação do Direito Positivo nos moldes atuais, há alguns princípios diretamente impostos pela natureza humana, e que se referem, portanto, às tendências naturais do ser humano, a exemplo dos deveres do homem para consigo mesmo, tais como o homem deve conservar-se, deve perseverar no ser, não deve destruir-se; e ainda o dever de respeitar sua racionalidade, isto é, sua inteligência, como o homem deve procurar a verdade, buscar o conhecimento da realidade, e tais premissas de moralidade, por óbvio, não se harmonizam com o suicídio.
Um dos maiores pensadores de todos os tempos, Tomás de Aquino, dizia acerca do suicídio que quem se priva a si mesmo da vida peca contra Deus, e que suicidar-se para evitar outras misérias desta vida é preferir um mal maior a fim de evitar um mal menor.
Ingressando especificamente no mundo jurídico, e em resposta ao questionamento feito no título do artigo, o Código Civil estabelece no artigo 13 que Salvo por exigência médica, é defeso (proibido) o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. No parágrafo único do referido artigo consta que O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.
É possível e lógico concluir, por conseguinte, que se condutas menos lesivas são ilícitas, a exemplo de extirpação de um membro ou da retirada de um órgão, mais ainda a interrupção da vida, ou seja, o suicídio, que deve sim ser classificado como ato ilícito, embora não punível nem na forma tentada, menos ainda (por óbvio) no modo consumado. O suicídio, apesar da referida ilicitude, não apresenta natureza criminal.
Ainda na órbita civil, é de interesse mencionar a Súmula nº 105 do Supremo Tribunal Federal, a estabelecer que Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual não exime o segurador do pagamento do seguro, e também a Súmula nº 61 do Superior Tribunal de Justiça, a indicar que O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado.
Como os referidos enunciados davam ensejo a muito subjetivismo e também a possíveis decisões injustas, o artigo 798 do Código Civil apresentou previsão caracterizada por maior objetividade, a estabelecer que O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso (...), e o parágrafo único do precitado artigo prescreve que (...) é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado.
Perdeu força (mas não validade), portanto, a questão relacionada à premeditação ou não. É que o Enunciado 187, aprovado na III Jornada de Direito Civil do CJF/STJ, a fim de criar mecanismo interpretativo e aplicativo do direito mais equilibrado e consentâneo com as especificidades de cada caso concreto, prevê que Nos contratos de seguro de vida, presume-se, de forma relativa, ser premeditado o suicídio cometido nos dois primeiros anos de vigência da cobertura, ressalvado ao beneficiário o ônus de demonstrar a ocorrência do chamado suicídio involuntário.
Na seara penal, de relevo anotar que embora não constitua crime o suicídio, o artigo 122 do Código Penal prevê que induzir ou instigar alguém a suicidar-se, ou prestar-lhe auxílio para que o faça, configura infração penal, e das graves, vez que a pena será de reclusão de dois a seis anos, se o suicido se consumar, e de um a três anos, se da tentativa de suicídio resultar lesão corporal de natureza grave.
Também estabelece o Código Penal que a pena deve ser duplicada se o crime é praticado por motivo egoístico, e ainda se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.
Tendo em vista os pontos sinteticamente abordados, conclui-se que no Brasil o suicídio se caracteriza pela ilicitude, embora sem caráter penal.
Finalmente, a título de informação, cumpre especificar que entre os países com maiores índices de suicídio estão Coréia do Sul, Lituânia, Guiana, Cazaquistão, Bielorússia, China, Japão, Hungria, Sri Lanka e Rússia.
Avante e VIDA digna a todos!
Daniel Marques de Camargo é Advogado e professor das FIO. Mestre em Ciência Jurídica (UENP). Especialista em Processo Civil (UNAERP). Autor de obras jurídicas diversas e palestrante.