Do medo da covid-19 à desolação: enfermeiros enfrentam danos psicológicos do trabalho na pandemia

Terra 30/05/2021 - 08:08:09 Brasil

Enfermeira criou projeto para conversar com profissionais que estão na linha de frente contra o novo coronavírus. Trabalhadores relatam as dificuldades e os temores que enfrentam em meio à pandemia.

Logo no início da pandemia de covid-19, a enfermeira Dorisdaia Humerez, de 62 anos, decidiu criar uma iniciativa para cuidar da saúde mental dos profissionais de enfermagem que estão na linha de frente do combate ao novo coronavírus.

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Os enfermeiros já enfrentavam, antes da pandemia, problemas de saúde mental relacionados a longas jornadas de trabalho, como estresse, esgotamento e havia até relatos de pensamentos suicidas. A gente sabia que a situação pioraria com a pandemia, mas não pensávamos que pioraria tanto, diz Dóris, como a enfermeira é conhecida, à BBC News Brasil.

Coordenadora da Comissão Nacional de Saúde Mental do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), ela criou o projeto "Enfermagem Solidária". De forma gratuita, 24 horas por dia, a iniciativa fez cerca de 8 mil atendimentos virtuais de trabalhadores de todo o país no ano passado, segundo Dóris.

Depressão, ansiedade e pensamentos suicidas foram alguns dos temas que os cerca de 150 voluntários leram em relatos dos profissionais de saúde.

ntre os casos que acompanhou, Dóris destaca um que a deixou muito comovida: uma enfermeira que se sentia culpada após a mãe morrer em decorrência do novo coronavírus. "Ela acreditava que tinha sido a responsável por infectar a mãe. Foi uma das situações mais difíceis", relata.

O "Enfermagem Solidária" ajudou até mesmo a idealizadora do projeto. Em novembro passado, o marido de Dóris morreu em decorrência da covid-19.

"Percebo que o "Enfermagem Solidária" até me ajuda a compreender melhor a perda que eu tive", diz.

Os enfermeiros na linha de frente

Desde o começo da pandemia, os profissionais de saúde que estão na linha de frente contra a covid-19 enfrentam situações extremas de esgotamento físico e mental, que se tornaram mais agudas nos picos da pandemia, como hospitais sobrecarregados, falta de equipamentos de segurança e ausência de medicamentos para intubar pacientes.

Esses trabalhadores também vivem com o medo de serem vítimas do novo coronavírus e lidam com a saudade de colegas que morreram em decorrência da covid-19.

Em todo o Brasil foram registrados, desde o começo da pandemia, 56,1 mil casos de infecções pelo novo coronavírus entre profissionais de enfermagem e 784 mortes, segundo dados atuais do Observatório de Enfermagem, do Cofen.

Doutora em saúde mental e professora aposentada da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Dóris afirma que desde o princípio da pandemia não havia dúvidas da necessidade de uma iniciativa para apoiar os profissionais de enfermagem. Após autorização dos responsáveis pelo Cofen, ela procurou outros enfermeiros que também são especialistas em saúde mental. Em poucos dias, o projeto recebeu diversos voluntários.

O "Enfermagem Solidária" entrou em funcionamento a partir do fim de março de 2020. Meses depois, passou a atender também alguns trabalhadores da área da radiologia.

A responsável pela iniciativa ressalta que o projeto não tem o objetivo de substituir sessões de terapia ou acompanhamento psiquiátrico.

"O que fazemos é uma escuta empática, para acolher esses trabalhadores. O objetivo é que esses profissionais desabafem. Se necessário, criamos uma rotina com aquela pessoa, pedimos para ela voltar em outro momento também para conversar", explica Dóris.

"Alguns psicólogos ligaram para tentar ajudar no projeto, mas o meu objetivo era reunir voluntários que fossem da enfermagem e com especialização em saúde mental. Era um sentimento de que outros enfermeiros poderiam dar um apoio melhor aos colegas de profissão no atual momento, porque conhecem a rotina de trabalho", acrescenta.

Fonte: Terra

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